segunda-feira, 24 de abril de 2023

consulta diferente


 aquele incomodo dentro da minha boca não passava, por dias passei fio dental, fazia gargarejo, escovava  os dentes tres vezes por dia, mas nada ajudava a passar a dor. Quem ja teve esse dor sabe o que eu to falando. É aquele incomodo, aquele pontinho de dor no fundo, parece que tem uma formiga que pica dentro do dente. Ja não aguentava mais e resolvi marcar um dentista.Peguei o contato na internet, um lugar perto de casa, mas nao devia ter feito isso, devia ter falado com algum amigo e amiga... todo mundo tem indicacao de um bom.

 Eu acho que eu nunca falei isso, mas na infancia e juventude eu quase nao arranquei os dentes sozinhos, eu sempre tive que ir no dentista, todo mes estava la para arrancar, nao sei, eles simplesmente não queriam sair. Na época eu perguntava pra dentista e ela ria enquanto eu chorava,me dizia que era normal, nem todo dente quer sair sozinho, o bom é  que quase sempre ela me dava um presente depois que eu arrancava se eu não chorasse.Nunca fiquei com trauma, eu até gostava, depois eu podia comer um monte de sorvete, aquele de morango que vem num potinho da kibon.

Marquei o dentista para depois do trabalho, ultimo horario eu imagino, 18:30, ja nao tinha ninguem lá. Cheguei lá meia hora antes para responder umas mensagens no celular,  escutar um som e ler aquelas revistas de moda ou veja que fica na sala de espera. Eu nunca entendi porque deixam essas revistas, tanta coisa interessante para ler o pessoal poe logo essas revista de moda, fofoca de artista e comentarios de ricos sobre o mundo.Quando entrei na clinica a recepcionista me olhou, pediu meus documentos e pediu para eu esperar que o Doutor Ricardo ja me atenderia, sentei e aguardei. A TV estava na record, podia ser as novelas cafonas, mas nao, era jornal pinga sangue, eles estavam contando que um adolescente negro foi preso e torturado por um segurança numa rede de supermercado.O apresentador gritava que os segurancas estavam certo, que assim inibia outros garotos. No final eu acabei que  nem consegui responder as mensagens e ouvir o som p relaxar antes da consulta, fiquei vendo aquele absurdo enquanto a recepcionista mexia no celular e digitava meus dados no compuador. 

- Thiago Loreto! Sala 02

Andei por um corredor, cada lado tinha um consultorio e logo que entrei  senti aquele cheiro de fluor e pasta de dente  que só consultorio de dentista tem e tbm ouvi de longe aqueles barulhos de mini britadeira. Tudo aquilo me remetia a infancia, mas na época eu não tinha medo, mas aquele dia, não sei explicar, meu estomago esfriou e meu coração acelerou. 

Avistei o dentista e entrei, estranhamente Doutor Ricardo me esperava sentado numa cadeira com um sorriso pequeno, oculos e luva em apenas uma mão.O consultorio nao era branco, era uma cor vinho bem clarinho e diferente dos consultoios habituais de dentista o cheiro era diferente, mais forte, eu podia ate afirmar que sentia cheiro de sangue.Aquela altura eu ja estava com o alerta ligado e podia ser coisa da minha cabeça. Ele  levantou, fechou a porta e sentou e pediu para eu deitar na cadeira e abrir a boca e deitado eu pude avistar que os olhos dele era um de cada cor, chama heterocromia, um olho era azul quase branco e outro marrom clarinho.Só isso ja me deixou meio apavorado. Pediu para eu abrir a boca e perguntou onde doia,  respondi:

- a dor vem de um ponto la no fundo do dente fiz  de tudo para passar a dor...

E quando deitado na cadeira o cheiro tinha ficado mais forte a ponto dele me perguntar se  estava tudo, talvez eu tenha feito uma cara diferente. 

- to sentindo um cheiro diferente, meio forte..

Ele tirou a mascara  para inalar, fechou os olhos e respirou fundo e depois aspirou quase que como um orgasmo e pude ver, aquilo me arrancou o juizo. Ele tinha todos os dentes quebrados,amarelos, cerrados, tipo o do Baraka do Mortal Kombat. Minha cabeça já estava a mil, eu estava suando e a unica pergunta que martelava na minha cabeça. Por que um dentista tinha os dentes como o dele? Arregalei os olhos e comecei a rir(um adendo, quando eu fico nervoso eu sou debochado Dispositivo de defesa). Tentei levantar, mas essas cadeiras tem uma inclinacao ruim para levantar e quando eu tentei esbarrei naquele bacia de agua que se usa para cuspir. Levantei meio torto e o doutor Ricardo estava rindo, pediu para eu ficar calmo que estava tudo bem. Corri para a porta, mas ele tinha fechado e quando virei o rosto me encontrei com ele com a seringa na mão fincando-a no meu braço. Estranho que quando a gente esta deitado na cadeira e fazendo extração de dente demora para anestisia pegar, aquela hora nao demorou nem um minuto, eu ja nao conseguia nem levantar os braços para abrir a porta, passou mais um minuto eu nao conseguia ficar de pé. Senti uma me segurando e me colocando na cadeira e depois disso não lembro de muito coisa. Tive uns flash de tres pessoas na sala, uma delas era a recepcionista que volta e meia esticava minhas paupebras, escutava de fundo o comentarista do jornal da record e aquele cheiro putrefado aumentava.  Consegui mover minha cabeça para o  lado e no armario dentro do armário dele consegui ver uma colecão de dentes, até nada de anormal porque ali era um consultorio, mas o estranho é que era dentes com maxilar inteiro em cabeças reais, nessas cabeças faltava olhos, em orelhas, uma cabeça tinha uma orelha de cada cor, narizes trocados. Não consigo descrever o sentimento, mas imagina voce estar deitado, não vendo nada, mas ouvindo tudo e sentindo o cheir de tudo e não poder fazer nada. Nao pude conter as lagrimas, pensei nas coisas que não pude fazer ainda, na minha familia, nos meus colegas de trabalho, no aluguel que eu nao tinha pago ainda, na ração dos gatos que tava acabando, pensei em tudo e chorei, as lagrimas escorreram eu as senti ate minha boca e adormeci. Acordei na recepção com o celular na mão com o a recepcionista me chamando porque o doutor Ricardo já estava me chamando pela terceira vez, a dor tinha sumido, mas minha boca estava adormecida. Demorei muito para entender o que estava acontecendo ou que tinha acontecido ou que eu tinha sonhado. Nao pensei duas vezes, peguei minhas coisas, sai pela porta como um foguete e subi correndo a rua. Na hora nao olhei para tras, enquanto eu corria passei a lingua pelos dentes e senti que me faltva um dente. Por fim o incomodo passou, nao tinha dores, só me ficou um incomodo que ate hoje nao sei dizer se o que aconteceu era real ou não.

a gente chegou tão longe



 a gente chegou tao longe

por que nos perdemos

no meio do caminho

quanto de amor faltou

para mudar 

o que nossa classe ousou

porque sonhos não faltou

todo dia na linha de produção

sobra tempo para que nosso suor

vire o iate do patrao

mas nossos sonhos 

sao minados na hora extra

enquanto é festa do filho do dono

negando aumento no final de ano

restando a nós o pingado e o pão

a cachaca no fim do dia

e o futbol de salão

todo acidente de trabalho 

dizem que é culpa do operário

mesmo que o maquinario

trabalhe sem descanso

sem proteção ou manutenção

se ousar nao trabalhar

é rua que vamos encontrar

disse o patrao na Suiça pelo celular

respire

se hidrate 

não deixe que falte sorrisos 

porque o riso tambem é revolucionario

não deixei que a depressão te abrace

cuidado que ela usa disfarce

ame seu parceiro

abraçe sua parceira

como disse o poeta

o sol há de raiar

respira, respira

a gente tem um mundo pra mudar

intro do proximo livro

 Eu não acreditava em histórias de terror.

Eu nao acreditava em demonios ate pegar um busao sentar em um banco dos fundos e ver um velho abusando de uma mulher e eu ter que sair na mão com ele.

Eu nao acreditava em aparição até o pai de um amigo, pai ausente, retornar depois de 20 anos pedindo ajuda.

Eu não acreditava em fantasmas até ver gente saudando torturador da ditadura.

Nao acreditava tambem em brinquedo assassino até um muleque pegar a arma do pai escondido e atirar no amigo dentro da escola.

Não acreditava em casa mal assombrada até a casa vazia do bairro ser descoberta sendo local de estupro e a policia saber e nao fazer nada.

Eu não acreditava em seres de outro planeta até descobrir que a gente esta destruindo nosso planeta e ninguem faz nada para mudar.

Eu não acreditava em inferno até ver um monte de gente morrer na pandemia e o presidente rir em entrevista coletiva.

Eu não acreditava, mas agora acredito.

Poemas que não queria escrever - Thiago Loreto

ainda que noutro mundo




ainda que noutro mundo

visitou  a me num sonho

quase tudo era turvo

só seu sorriso que era claro

cheiro de bolo e pipoca

ouvi um barulho de fundo

será que era o caco?

não me supreenderia

que fosse ele ou a vó mazilda

eu ainda assim a reconheceria

abri e fechei os olhos

tudo ainda era neblina

senti uma risada do infinito

será o Benedito?

esfreguei os olhos

mas ninguem estava lá

Penitência 

ouvi de algum lugar

corri para ver se via

mas cai na propria armadilha

era a matilha de cães que me vinha

Natasha, Caire e Mel

era só o que me faltava

Latrel tambem caminhava

em sonho tem animal zumbi?

até aqui pede pra brincar

via a calçada perto de casa

travessa da cruz de malta

não conseguia andar

sentei e vi o tempo passar

olhei pro alto um monte de pipa 

ali podia ser meu céu

passei os dedos na cara

era minha casa

minha cama

Caetano miando

Raposo nanando

Leticia roncando

acordei sorrindo

que visita boa 

a gente recebe sonhando



 Poema da realidade

os animais selvagens são lindos

quando brincam, caçam e se reproduzem

seres vivos como eu e voce

pena que seus netos 

só os verão em livros 

depois de queimarmos o mundo

só vai restar foto de tudo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

toda mãe


Toda mãe é poesia pronta

Passarinha que não corta asa

Ponte de imensidão

Que faz seus braços uma casa

segunda-feira, 4 de abril de 2022

um dia

 


um dia

depois da guerra

se houver guerra

se depois da guerra houver um dia

te tomarei em meus braços

um dia depois da guerra

se houver guerra

se depois da guerra houver um dia

se depois da guerra eu tiver braços

farei amor com você, com amor

um dia depois da guerra

se houver guerra

se depois da guerra houver um dia

se depois da guerra houver amor

e se houver o que é necessário para fazer amor.

jotamario arbeláez, quando se abriu uma nova fase da guerra civil colombiana em 1964